Praça Dr. Último de Carvalho

Desde a Grécia Antiga, milênios antes de nós, já se notava a formação de alguns espaços em que se objetivava debates e a experiência de sociabilidade. As famosas Ágoras gregas eram lugares em que os cidadãos das cidades-estados, as polís, conversavam e decidiam questões pertinentes a vida comunitária e política. Em nossa atualidade a função das praças públicas mudaram de maneira significativa, mas conserva a característica de ser um espaço de congregação.

Praças são espaços de partilha. Reunimo-nos em torno destes marcos verdes em meio a cidade, cada vez mais tomada por construções, para manter viva uma expressão de simplicidade e de vida comunitária.

Neste texto contaremos um pouco da história de nossa praça mais significativa: A Praça Dr. Último de Carvalho, situada bem no coração do município, local de importantes acontecimentos e experiências ao longo de nossa história.

Um pouco de história

Ao longo dos anos a Praça Dr. Último de Carvalho recebeu inúmeros nomes, todos eles ligados a história de nosso município. Os monumentos, praças e espaços públicos, ao passo que têm muito a nos dizer sobre nossa trajetória enquanto grupo, marcam, também, discursos históricos, opções de referenciais e de memória.

Inicialmente chamada “Largo da Alegria” esta região já era o centro principal da nossa cidade. Isso nos prova o fato de que em 1832 se instalava, nesta praça, o Pelourinho. Significava um marco da soberania e jurisdição local. No ato simbólico e prático de instalação, deste instrumento de tortura e castigo, no centro da praça pública, fundava-se, também, a Vila de São Manoel do Pomba.

Uma vila era considerada algo menor que uma cidade, porém maior que uma aldeia, possuindo Câmara, juízes e Pelourinho. A criação da Vila de São Manoel do Pomba é decretada em 1831, porém instalada em 1832. O povo da localidade, ao que consta, recebeu a instalação do pelourinho de maneira bem apropriada ao nome da praça, com uma efusiva alegria e festividade.

Em um dado momento de nossa história o Pelourinho foi retirado da praça e hoje não nos resta nada dele. Sabemos que ele foi instalado ao lado direito da Matriz de São Manoel e, geralmente, estas colunas de pedra eram colocadas próximos as Câmaras municipais.

Não iremos precisar quantas, ou se alguém chegou a ser castigado ali no Pelourinho de São Manoel do Pomba, mas, para além de sim ou não, resta-nos pensar que, neste período de nossa história, a praça não era alegre para todos.

Adiante na narrativa, a praça homenagearia o Barão de Montes Claros. Já em 17 de janeiro de 1888, se tem notícias de que a praça possuía este nome. O vereador Pereira Salgado solicitava a Câmara que arborizasse a praça Barão de Montes Claros, o que foi atendido por unanimidade.

O Barão de Montes Claros, de nome José Luís de Campos, foi um importante político que esteve presente, de maneira significativa, nos andamentos de nossa cidade entre os anos de 1850 até, quase a sua morte, em 1888. Foi Juiz de Paz em Bonfim, vereador, tenente-coronel comandante da Guarda Nacional em Rio Pomba e, já perto da morte, vice presidente da câmara. Nota-se que a homenagem ao Barão, com a nomeação da praça, se deu com ele, ainda, em vida.

Em 1913, na gestão do Dr. Neves, foi construído um jardim municipal na praça, a qual foi nomeado de Parque Doutor Francisco Peixoto. A obra conferiu beleza significativa a praça, que na ocasião já tinha seu valor paisagístico, com belíssimos prédios em sua circunferência. Foi, neste período, construído a ponte de pedra por cima do lago artificial que até hoje permanece no mesmo lugar.

Construção da ponte do Jardim. Data: 1913 Autor: Desconhecido. Acervo do Museu Histórico de Rio Pomba.

A partir da década de 30 a praça recebe o nome de Benetido Valladares, Governador do Estado de Minas Gerais, que apoiou o golpe que instituiu o Estado Novo. A antiga praça Cel. João Bento segue este mesmo processo de mudança de nome. No aniversário do golpe do Estado Novo, 10 de novembro de 1938, passaria a se chamar praça Getúlio Vargas, nome que permanece até os dias de hoje.

Praça Dr. Último de Carvalho. Ano: 1944. Autor: Desconhecido.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Rio Pomba.

Desde 1987 a nossa praça possui o nome Dr. Último de Carvalho. Foi colocado um monumento (projetado pelo arquiteto Gilson Moreira Neves) erigido com o busto esculpido em bronze em sua homenagem. Último foi um importante político local. Foi tabelião, vereador e prefeito municipal. A nível estadual foi deputado em dois mandatos, sendo o segundo, como o mais votado do Estado de Minas Gerais. A nível nacional foi eleito deputado federal quatro vezes consecutivas. Em Rio Pomba ele foi o principal articulador da criação da Escola Agrícola. No final de sua vida dedicou-se de maneira profícua a literatura.

Dr. Último de Carvalho

Eu

Nascido entre os escombros dessa vida,
Vegeto como pária. Desgrenhado
Dos meus e tendo já desiludida
A fé de haver um dia bem amado.

Filho de pobres. É desprotegida
A minha sorte. Tendo como fardo,
O sentir da esperança já perdida,
A expirar nos braços do pecado.

Sofri e sofro – Não conheço paz.
Não tive amores, vivo em nostalgia
Pois que uma dor, Só no meu peito jaz:

É de te ver indiferente e fria.
Como se todo o mundo não te apraz
Como se só houvesse hipocrisia…

Último de Carvalho

  

Acontecimentos

A nossa praça central acompanhou grandes acontecimentos ao longo de sua história, vejamos alguns:

Inauguração do “Marco comemorativo” na praça Dr. Último de Carvalho. Na foto estão, entre outras personalidades o Deputado Dr. Último de Carvalho, o Deputado Dnar Mendes e o Governador Israel Pinheiro.
Fonte: A imagem se encontra na página do Facebook “Rio Pomba Fatos e Fotos”. Pagina destinada a pessoas que gostam e se interessam pela história de nosso município. Esta foto em questão foi publicada pelo Antônio Fábio da Costa. Data: 10/12/1967

– Em 1967, foi instalado num dos jardins da praça o “Marco Comemorativo” do Bicentenário de Rio Pomba, inaugurado pelo então governador do Estado de Minas Gerais, Israel Pinheiro.

Marco comemorativo do bicentenário. Fonte: Museu Histórico de Rio Pomba. Data: 1967

Em 1999, o filme O viajante, dirigido por Paulo César Saraceni, teve parte significativa de sua gravação realizada no município de Rio Pomba. Dentre elas o final, onde Milton Nascimento cantou Tantum Ergo numa encenação do encontro do Senhor dos Passos com a Virgem das Dores.

Embora a qualidade não esteja boa, a cena representa o momento final do filme O viajante, com Milton Nascimento ao centro da cena. Data: 2015 Fonte: YouTube.

Tombamento Histórico

Por recomendação do Conselho de Patrimônio Cultural, o seu conjunto paisagístico foi tombado como patrimônio do município, por meio do Decreto nº 1.355/2010, devido ao seu valor histórico, urbanístico, arquitetônico e paisagístico. Também por sua beleza ímpar e por sintetizar a vida interiorana de Minas e do Brasil, as imagens da praça de Rio Pomba.

O conjunto da Praça Dr. Último de Carvalho perfaz uma vasta área, de aproximadamente 6 mil m², de inestimável valor paisagístico, cultural, social-antropológico, histórico, cívico, recreativo e turístico para o município, composta, em seu interior, de um coreto construído em 1913, de jardins com gramíneas, espécies herbáceo-arbustivas, epífitas, plantas ornamentais e arbóreas, a exemplo das exuberantes palmeiras-imperiais, um espelho d´água (lago artificial) em formato curvo, circundado por canteiro baixo e ornamentado com uma ponte com dois caramanchões cobertos por vegetação, postes antigos de ferro, duas estátuas de cães e quatro estatuetas femininas representando “as quatro estações” (obras efetuadas pelos italianos Aladino Quelotti e André Gotti).

Memória e afeto

Menina observa, com curiosidade, o lago artificial da praça Dr. Último de Carvalho. Ao fundo, a sombra da Matriz de São Manoel. Fonte: Arquivo pessoal do autor. Data: 2018

Muitos de nós, que nascemos e fomos criados em Rio Pomba, trazemos gravado na memória momentos prazerosos de brincadeiras, passeios, conversas, namoros, encontros inesperados, dentre outras coisas, que experimentamos e vivemos nos entornos desta praça.

É este o objetivo de uma praça pública, promover encontro e alegria. Ela existe para que nós nos sintamos convidados a viver e conviver. Quem nunca tirou fotos junto com os cachorrinhos que ficam protegendo a entrada da praça? Saudades de ficar dando várias voltas em torno de sua circunferência e depois sentar no banquinho, descansar e retornar a andar. Alguns de nós deram o primeiro beijo ali, no coreto ou na ponte, outros se desiludiram amorosamente, até que se apaixonassem novamente. A praça Dr. Último de Carvalho deu tom e cor a juventude de muita gente. E é, por este motivo, que ela se eterniza como um espaço sempre vivo na memória, quer de quem viva em Rio Pomba, ou quer de quem sinta saudades desta terra, enquanto vive em outros lugares do mundo.

Colaboradores

Assuero de Paula Araújo
Franklin de Paula Júnior


Referências

CAMARA DOS DEPUTADOS. Biografia de Último de Carvalho Disponível em https://www.camara.leg.br/deputados/130668/biografia Acessado em 20/11/2021

Dossiê de Tombamento do Conjunto Paisagístico da Praça Dr. Último de Carvalho. PERMEAR (Programa de Estudo e Revitalização da Memória Arquitetônica e Artística)/ Prefeitura Municipal de Rio Pomba – Dezembro de 2009.

FERREIRA , Roberto Nogueira “Cem anos Luz, O Imparcial: 1896/1996; um jornal, um jornalista, uma cidade”, Ed. R. N Ferreira, Brasília 1996. O Imparcial – Edição comemorativa de 90 anos, Gráfica “O Imparcial” 1996.

IEPHA-MG. Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais (IPAC-MG). Belo Horizonte, 1991

PAULA JÚNIOR, Franklin. Os 300 Anos de Minas culminam com descoberta de obra do Aleijadinho em Rio Pomba. Jornal GGN de 01/01/2021. Disponível em: https://jornalggn.com.br/artes/os-300-anos-de-minas-culminam-com-descoberta-de-obra-do-aleijadinho-em-rio-pomba/

SANTIAGO, Sinval Batista. Município de Rio Pomba – síntese histórica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.

SIMAS, Luiz Antonio. Dos arredores da Praça Onze aos Terreiros de Oswaldo Cruz: uma cidade de pequenas Áfricas. Revista Z Cultural – 2016. Disponível em: http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/wp-content/uploads/2016/04/DOS-ARREDORES-DA-PRA%C3%87A-ONZE-AOS-TERREIROS-DE-OSWALDO-CRUZ_-UMA-CIDADE-DE-PEQUENAS-%C3%81FRICAS-%E2%80%93-Revista-Z-Cultural.pdf

FGV-CPDOC. Fundação Getúlio Vargas 2009. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/carvalho-ultimo-de acessado em 15/11/2021

Vídeos

Filme completo “O Viajante”
https://youtu.be/UoqyZDy9gFk

Filme “Uma Banda em Nossas Vidas”
https://youtu.be/ySxOTrYVCBg