Paróquia de São Manoel de Rio Pomba

Tela de José Eustáquio Vieira – 2003 – Museu Histórico de Rio Pomba

A Freguesia e sua Paróquia

Na história de Rio Pomba o papel da religiosidade sempre ocupou um lugar de enorme importância. Logo quando em 1767 se instalava a Freguesia do Mártir São Manoel do Sertão do Rio Pomba e Peixe dos índios Cropós e Croatos, chegou-se, junto à freguesia, o padre Manuel de Jesus Maria e, logo de sua chegada, cuidou de celebrar a primeira missa.

O padre Manoel

O padre Manoel foi uma das figuras mais importantes do processo de colonização da Zona da Mata Mineira. Filho do português, João Antunes e da escrava angolana Maria de Barros Angola, era, deste modo, considerado mulato e pessoas situadas nesta categoria, geralmente, estavam apartadas de lugares de condição privilegiada, como era o sacerdócio. No entanto, o padre Manoel rompe estas barreiras e consegue chegar ao ministério ordenado. Em 1756 ele abre o processo de obtenção das ordens sacras e dirige a cúria romana o seguinte pedido:

“Diz Manoel de Jesus Maria, filho natural de João Antunes, homem branco, e Maria de nação Angola, preta forra, natural da Freguesia de Santo Antônio da Casa Branca, que ele pelo puro desejo que tem de servir a Deus no estado sacerdotal, está resoluto a chegar à Cúria Romana para impetrar da benignidade do Sumo Pontífice a dispensa do impedimento […] de pardo no primeiro grau pela parte materna; e porque para conseguir a referida dispensa necessita de levar as suas inquirições de genere e diligências de vita et moribus […]”

Desde o século XVI, com a bula De puritate sanguinis, do Papa Urbano VIII era preciso, a todos que pretendessem ingressar no sacerdócio, passar por um minucioso processo de genere, vita et Moribus, ou seja, provar a “limpeza de sangue”, vida reta e bons costumes. O problema era que Padre Manoel era filho de uma união ilegítima, tinha “sangue miscigenado” e suas riquezas eram, ainda, poucas. Nada disso impediu o desejo, nem mitigou as esperanças deste homem em lutar pelo sacerdócio. Após cerca de 10 anos de um caminho ardoroso, onde fez aliados, conquistou espaço na vida religiosa, conseguiu despensa de seus impedimentos quanto a “limpeza de sangue” e foi, finalmente, ordenado no Arcebispado da Bahia.

Padre Manoel acompanhou de perto o projeto de colonização dos sertões do Rio Pomba empreendido pelo governador Lobo e Silva, e se candidatou para a imperiosa missão de catequizar e levar a fé cristã a estas terras, ainda apartadas do evangelho. Em novembro de 1767 celebrou o batizado de uma menina índia. Maria foi o nome escolhido e os padrinhos foram Dr. Tomás Soares de Aguiar e de D. Maria Michaela Tereza. Dalí a poucos dias seguiu para a Freguesia que estava prestes a criar.

Foi um grande exercício de coragem, o de padre Manoel, se voluntariar nas terras que hoje conhecemos e chamamos de rio-pombense. Durante o período colonial a região da freguesia do Mártir São Manoel era um grande sertão, com barreiras naturais quase intransponíveis. Além de todos os perigos oferecidos pela natureza exuberante, que formava a Mata Atlântica, ainda havia o choque inevitável com os povos tradicionais que aqui viviam.

A missão do padre era a cristianização das comunidades indígenas, neste sentido a paróquia do Mártir São Manoel tinha como característica ser um espaço que congregasse índios e conquistadores.

Villa da Pomba von der Südseite gesehen (Trad. Vila da Pomba vista a partir do sul) Autor: Burmeister, Hermann, 1807-1892 e Loeillot, W. fl 1840-1876

O padre era a figura intermediadora entre as variadas culturas intercambiantes na freguesia, mediando, desta forma, situações de conflito entre poderes locais e lideranças indígenas.

Em 1767 o Padre Manoel recebe o cargo de Vigário Colado da freguesia, exercendo seu comando até sua morte em 1811. Foram mais de 40 anos de trabalho incansável na formação e consolidação da freguesia e da paróquia do Mártir São Manoel. Seu trabalho alcançou outras localidades com a criação de capelas em Guarani, Mercês, Rio Novo, Ubá etc. Torna-se impossível contar a história da paróquia de São Manoel, de modo particular, e de toda a cidade de Rio pomba, de modo geral, sem falar na figura deste interessante personagem de nosso passado.

As dimensões da paróquia de São Manoel

Inicialmente a paróquia de são Manoel compreendia uma vasta porção de terra, significativamente maior que a circunscrição paroquial atual. O processo de conquista dos sertões do Pomba partiu da serra do Melo, rumo a margem esquerda do Rio Pomba, onde foi construído a primeira matriz de São Manoel. “A Freguesia, no período de sua instalação, se iniciavam nas “Roças de Ignácio Andrade pelos ditos sertões adentro” ”. Neste sentido, existia um marco inicial, a fazenda de Ignácio, no alto da serra das Mercês, mas não havia um marco final claramente definido, pois, no sertões adentro, poderia avançar até onde a evangelização de Padre Manoel pudesse alcançar.

Entre as capelas filiais da Paróquia de São Manoel estavam as de “Mercês, Dores do Turvo, São Sebastião do casca Pequena (Pedra do Anta), Bonfim, Rio novo, São João Nepomuceno, Santo Antônio do Porto e São José do Paraopeba.”

O padroeiro Mártir São Manoel

Imagem do Santo Padroeiro Mártir São Manoel. Atribuição: Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho). XVIII. Imagem disponível no Site do Jornal O Imparcial

Sabe-se que a escolha de São Manoel como mártir padroeiro da freguesia partiu de uma devoção pessoal do padre Manoel de Jesus Maria, ao mesmo tempo que uma homenagem ao primeiro bispo de Mariana, Dom Frei Manoel da Cruz.

A história de São Manoel não é tão precisa do ponto de vista histórico, existindo desacordos e desencontros quanto as fontes. De algum modo a história do santo cruza-se com a história do processo de expansão do cristianismo no Império Romano.

Desde o Edito de Milão (313 d.C) o Império Romano permitia a profissão de credos livremente, porém, no reinado do imperador Juliano acompanhou-se uma volta aos rituais e práticas religiosas da cultura romana. É, neste interim, que o nosso santo padroeiro, juntamente com seus dois irmãos Sibélio e Ismael, entram na história como mártir do evangelho.

Vindos da Pérsia, como embaixadores, eles tentam um acordo de paz com o imperador Juliano, visto que os dois grandes impérios estão em guerra. Juliano não aceita o acordo e manda os três ao castigo e martírio. São cravados cravos de ferro nos dois lados do peito e na cabeça de são Manoel. Assim ele morre, provavelmente, em 17 de junho de 362.

Quando se escolhe um santo padroeiro para uma paróquia cria-se uma relação profunda de afeto e intimidade. Neste sentido, o santo passa a fazer parte do dia a dia dos paroquianos, se tornando um membro da família. Em Rio Pomba não foi diferente. São Manoel é recorrentemente clamado pelo povo piedoso. Nos momentos de ira um grito ecoa: “São Manoel dá-me paciência”, nos momentos de desespero os olhos se voltam para o altar mor e para a imagem que parece contemplar o povo, tal qual o povo a contempla. As bandeiras que tremulam no mês festivo de junho celebram, com alegria, a intima relação estabelecida com o santo e amigo São Manoel.

Construção da Igreja Matriz de São Manoel. 1913-1918. A direita padre Calixto com sua sobrinha Cecília e à esquerda Quirico Marini, o construtor da igreja com seu filho Alcindo. Sd. Autor desconhecido. Museu Histórico de Rio Pomba.

A igreja física

A paróquia de São Manoel começa a existir antes mesmo de que se tenha uma matriz física. Mas a construção arquitetônica da matriz é um marco importante da história rio-pombense.

Caetano Furtado de Mendonça foi o convidado do Padre Manoel para o trabalho de carpintaria e arquitetura da igreja. Tomando em mãos a planta original da obra, o padre teve dúvidas sobre sua construção e por este motivo recorreu, a ninguém menos, que Antônio Francisco Lisboa, o famoso Aleijadinho. Depois de analisa-la com cuidado, Aleijadinho realmente confirmou algumas falhas na planta e entregou as suas observações ao vigário.

Relógio da Matriz atual visto de dentro. 20.06.2017. Autor. Ismael da Silva Nunes

Mais que uma simples curiosidade, a presença de Aleijadinho na obra da primeira Matriz, nos dá conta de uma importante relação estabelecida entre nosso primeiro padre e um dos mais importante artistas da história nacional.

Infelizmente, não nos restam muitas coisas desta antiga matriz. Foi demolida em 1912, tendo sido construído em seguida a atual Matriz de São Manoel. Foi, entre 1913 a 1918, aos comandos do padre Calixto Gonçalves da Cruz e do construtor Quirico Marini, erguida a belíssima matriz que hoje orna nosso centro histórico com sua majestosa presença.

Dos bens antigos da paróquia, muita coisa permanece conservada, com destaque para as duas imagens de são Manoel: a pequenina, que o próprio padre Manoel trouxe consigo e celebrou suas primeiras missas e a, outra imagem, de tamanho significativamente maior. Desta última, restauros e pesquisas recentes, encomendadas pelo padre João Francisco Xavier (atual pároco), atestaram a procedência do próprio Aleijadinho. Até então a tese recorrente afirmava que a imagem seria um presente de Dona Maria I e que teria vindo de Portugal. A pesquisa histórica, aliada ao trabalho de restauro, conseguiram trilhar caminhos capazes de reconhecer e atribuir a imagem, que já possuí valor afetivo para todos os paroquianos, também, valor artístico e histórico de grande relevância.

Imagem de são Manoel no altar mor da Matriz.
Autor: Antônio Francisco Lisboa. Sec. XVIII.
Imagem disponível no perfil da paróquia de São Manoel no Facebook, datada de 16/05/2021

Os Padres de São Manoel

Padre Manoel de Jesus MariaAdministrou a construção de nossa primeira Matriz
Padre João Bonifácio Duarte PintoDeu início aos trâmites para a construção da Igreja do Rosário
Cônego José Ignácio da SilveiraDeputado provincial em várias legislatura
Cônego João Batista Ferreira
Padre João Severino de Carvalho
Padre Odorico Antônio Dolabela
Padre Carlino de Castro
Padre Calixto Gonçalves da CruzAdministrou a construção da atual Matriz
Padre João Crisóstomo Campos
Padre Cícero Sales e Padre João Crisóstomo Campos
Cônego Mário Quintão
Padre Gladstone Batista GaloIncentivador do Apostolado da Oração e da Lola
Padre Hélio Gonçalves HelenoNomeado Bispo de Caratinga pelo Papa João Paulo II
Padre José de Oliveira ValenteIncentivador da juventude
Padre José Maria Silva Coelho
Padre Marcelino Soares Rosado
Padre Mário Marcelo da Costa
Padre Marcos Macário Mendes
Padre João Francisco XavierAdministrou a recuperação do altar mor da Matriz e recuperação de várias imagens

https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/12/27/interna_gerais,1223994/reconhecida-como-de-aleijadinho-imagem-de-sao-manoel-volta-a-rio-pomba.shtml Acessado em 07.11.2021

     


Referências bibliográficas:

OLIVEIRA, Christiane Benones; MENDES, Saélis Teixeira do Prado. Breve análise de fenômenos linguísticos presentes no manuscrito eclesiástico setecentista: De Genere, Vitae Et Moribus. LaborHistórico, Rio de Janeiro, 2 (2): 149-167, jul. | dez. 2016

PAIVA, Adriano Toledo. A devoção ao Martir São Manoel. 2021. Disponível em Prefeitura Municipal de Rio Pomba – RIO-POMBENSE E DOUTOR EM HISTÓRIA PELA UFMG ESCREVE TEXTO EM HOMENAGEM AO PADROEIRO acessado em 07.11.2021

_________. Os indígenas e os processos de conquista dos sertões de Minas Gerais (1767- 1813). Belo Horizonte: Argvmentum, 2010

_________. “O domínio dos índios: catequese e conquista nos sertões do Rio Pomba. (1767 – 1813). 293 f. Dissertação (mestrado em História) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte 2009.

SANTIAGO, Sinval. História de Rio Pomba. 2 ed. Rio Pomba: Município de Rio Pomba, 2016.

WERNECK, Gustavo. Reconhecida como de Aleijadinho, imagem de São Manoel volta a Rio Pomba. 27.12.2020 Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/12/27/ interna_gerais,1223994/reconhecida-como-de-aleijadinho-imagem-de-sao-manoel-volta-a-rio-pomba.shtml Acessado em 07.11.2021